A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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8 de novembro de 2016

Sete pessoas e uma sentença


Para o filósofo e estudioso da matemática Pitágoras os números são entidades reais, cuja combinação forma a alma das coisas, pois tudo que existe é baseado em estruturas numéricas. No seu ponto de vista, o sete é um número sagrado.

Na tradição judaico-cristã, esse número exprime o conceito de perfeição, totalidade e plenitude.

Oriundos da Grécia Antiga, sete homens, profundos conhecedores das ciências humanas, ficaram conhecidos como os Sete Sábios[1]. Há também os sete mares, as sete maravilhas do mundo, os sete pecados capitais, as sete filhas de Atlas, os sete níveis de inferno, as sete idades do homem,  as sete notas musicais, as sete cores do arco-íris, os sete dias da semana etc. De fato, chama a atenção o simbolismo do número sete.

Coincidência ou não, sete são as pessoas que compõem o Conselho de Sentença no Tribunal do Júri brasileiro. São sete pares de olhos, sete cérebros, sete consciências, sete crenças, sete corações, sete vocações, sete cosmovisões e sete experiências de vidas responsáveis pela emissão dos veredictos.

Júri, jurado e juramento guardam em sua etimologia estreita ligação. Jurado vem de júri. Júri de juramento. Juramento significa invocar a Deus por testemunha. Há, portanto, uma boa dose de mística no ritual do Tribunal do Júri, em que os sete jurados, imersos nas águas lustrais da soberania dos veredictos, julgam o caso de acordo com a consciência e os ditames da justiça.

É fato que a história de cada ser humano interfere no julgamento que ele produz. Na conhecida lição de Ortega y Gasset[2], “o homem é ele e suas circunstâncias”. Por óbvio, ainda que haja imparcialidade, não há neutralidade.

Segundo a lógica, sete cabeças julgam melhor que uma, dada a diversidade de visões e formações humanas. Noutras palavras, as decisões colegiadas tendem a ser melhores qualitativamente do que as decisões tomadas por uma só pessoa. A dedução é imediata: o juízo colegiado, comparado ao juízo singular, reúne melhores condições para a elaboração de um julgamento justo.

Além disso, na linha da tese do jornalista norte-americano James Surowiecki[3], muitas vezes, a multidão eclética toma decisões mais inteligentes que um especialista. Noutras palavras, ainda que as pessoas reunidas em grupo não sejam experts em determinado assunto ou certa atividade, podem chegar a uma decisão coletiva sábia, já que o conhecimento é disperso e se encontra de forma pulverizada na sociedade. É o denominado crowdsourcing, em que as decisões de muitos geram uma única decisão que, com frequência, é tão boa quanto – se não melhor – a que a pessoa mais inteligente do grupo teria.

A propósito, a filosofia ensina que a verdade não tem dono e, como prega a sabedoria popular chinesa, ela nunca esteve distante das pessoas comuns. Aliás, não há melhor juiz do que o senso comum.

Daí a grandeza do Tribunal do Júri que, após a discussão exaustiva da causa pelas partes, num voto soberano de consciências diversas e independentes, emite a última palavra nos crimes de sangue. Respaldados na crueza de um debate franco sobre o processo, os cidadãos-jurados decidem pela absolvição, desclassificação ou condenação. Mais que isso: ao decidirem, sinalizam à sociedade o parâmetro de conduta desejável. 

São sete histórias de vida que decidem sobre a história de uma vida atacada ou ceifada. São sete inteligências beneficiadas de sabedoria camoniana[4] e aptas a julgarem alguém acusado de atentar contra o direito de viver. São sete vozes diferentes que, em coro, emitem uma só voz pela justiça.

À semelhança dos habitantes de Liliput[5], que ostentavam a imagem da justiça nos tribunais com visão poliocular, qual seja, com seis olhos, sendo dois à frente, dois atrás e um de cada lado, no Tribunal do Júri são sete pares de olhos heterogêneos que, numa mirada franca e honesta, desenham a justiça popular com legitimidade e soberania. Logo se vê que a democracia e a cidadania pulsam vivamente no Júri.

No Tribunal Popular, a justiça ritual e a justiça burocrática dão lugar à justiça de proximidade ou de participação. O ato de julgar deixa de ser exclusividade de uma pessoa e passa a ser exercido pelo povo, que abandona o velho papel de convidado de pedra no cotidiano forense e assume o protagonismo na aplicação da justiça.

O Tribunal do Júri é o coração que bombeia o sangue da democracia no corpo do Judiciário.

Portanto, na arena democrática do Júri, a decisão é exarada por sete pessoas parecidas, mas não iguais, pois portadoras de biografias, formações e valores distintos. São sete cidadãos no exercício ostensivo da democracia. Há a imersão de sete membros do povo no seio do Judiciário. São sete mentes unidas na construção de decisões justas, a despeito das imperfeições humanas. São, enfim, sete pessoas e uma sentença, expressão máxima da sabedoria popular a serviço da justiça comunitária.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso, Presidente da Associação dos Promotores do Júri (Confraria do Júri), Coordenador do Núcleo do Tribunal do Júri do Ministério Público de Mato Grosso e Editor do blogue Promotor de Justiça.         




[1] São eles: Tales de Mileto, Solon de Atenas, Quilon de Esparta, Pítaco de Mitilene, Bias de Priene, Cleóbulo de Lindos e Periandro de Corinto. Seus dizeres mais famosos tornaram-se um guia para a vida social cotidiana.
[2] ORTEGA Y GASSET, J. Meditações do Quixote. São Paulo: Iberoamericana, 1967.
[3] SUROWIECKI, James. A Sabedoria das Multidões. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006.
[4] A sabedoria feita de experiência.
[5] SWIFT, Jonathan. Viagens de Gulliver. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010. 

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