A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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25 de julho de 2012

O Brasil prende demais?

Novo Código Penal – Juristas querem pôr bandidos na rua e inventam a mentira de que o Brasil prende demais! Eu demonstro que prende de menos! Com números!
 
Mais um texto para espalhar e debater. Fiz com o coração, claro!, mas também com uma calculadora…
 
Ontem, no Jornal Nacional, assistimos a um pequeno retrato de algumas agruras do país e do que eu chamaria de desordem intelectual brasileira. Não, o programa jornalístico não tinha nada com isso. Era apenas o seu retrato. E me dei conta do estrago que o pensamento politicamente correto pode provocar na sociedade. E por que provoca? Porque dá um pé no traseiro dos fatos e das evidências.
 
Depois de relatos de casos de violência em São Paulo e no Rio, com direito a personagens em negativo e voz distorcida, o que reforça o clima de medo, assistimos a uma reportagem sobre o novo Código Penal — o jornal deu início nesta semana a uma série a respeito.
 
Transcrevo um trecho da reportagem:
 
A comissão que propôs a reforma do código penal sugere cadeia como punição só para crimes mais graves. No caso dos furtos simples, a ideia é eliminar a pena se houver o ressarcimento da vítima.
 
“O encarceramento faliu. A solução punitiva da cadeia deve ser reduzida para os casos extremos, para os casos que realmente não tenha alternativa”, diz o advogado Técio Lins e Silva, integrante da comissão de reforma do Código.
 
O subprocurador geral de Justiça do Ministério Público do Rio, Antônio José Campos Moreira, tem outra opinião. “A pena privativa de liberdade deve ser a última opção do juiz nesses crimes de menor gravidade, agora simplesmente deixar de provê-la ou criar alternativas para que ela não seja efetivamente cumprida desfavorece a sociedade, deixa a sociedade desprotegida”, afirma.
 
Na próxima reportagem, você vai ver que a renovação do Código Penal passará pela discussão de temas polêmicos, ligados à violência, como o uso de drogas e o jogo do bicho.
 
Voltei
 
Técio Lins e Silva já havia falado na reportagem de anteontem do JN. Que coisa! Alguém inventou a tese — sabe-se lá com base em quê — segundo a qual há presos demais no Brasil! Não! Há presos de menos! O que existe, como deixam claras as ocorrências, é bandido demais nas ruas, isto sim!
 
O que é prender demais? Qual é a base de comparação? Segundo dados do Departamento de Justiça dos EUA, havia em 2009 no país 2.292.133 pessoas efetivamente presas — atenção, outras 4.933.667 estavam em liberdade, mas enroscadas com a Justiça. As prisões juvenis reuniam outras 92.845 pessoas. Seriam os EUA uma ditadura, uma tirania, um exemplo de sociedade que esmaga as liberdades individuais??? Arredondemos para 500 mil os presos brasileiros. Isso significa 263 por grupo de 100 mil habitantes (tomo como base 190 milhões de habitantes). Huuummm… É muito? Nos EUA, eles são, atenção!, 744 por 100 mil!!! Quase o triplo. O Brasil tem 24 homicídios por 100 mil habitantes (números de 2010, segundo o “Mapa da Violência). Os EUA, 5!!! Menos de um quinto! Entenderam?
 
Há países que prendem menos do que os EUA, com menos homicídios? Há! É evidente que prender ou não prender bandidos não é o único fator da segurança pública. Mas uma coisa é certa: ninguém ainda inventou uma maneira de deixar um facínora solto e, ao mesmo tempo, diminuir a violência.
 
O Brasil prende demais, doutor Técio? Besteira! Está em 47º lugar na lista por 100 mil habitantes. E atenção! É assim por causa de São Paulo, onde estão 40% dos presos brasileiros, embora o estado tenha menos de 22% da população. De novo, vamos aos números: o Estado tem, então, 606 presos por grupo de 100 mil habitantes. Isso quer dizer que o resto do Brasil tem apenas 168, quase o índice da Grã-Bretanha, queridos, que é de 143 por 100 mil. Se tirarmos São Paulo da conta, o Brasil salta para 30 mortos por 100 mil. Entenderam o ponto? Aquela parte do país que registra mais de 45 mil homicídios por ano tem um índice de encarceramento de padrão verdadeiramente britânico, onde há apenas 5,4 mortos por 100 mil! Por que esses números não vêm a público? Por que os nossos repórteres não levam esses dados aos nossos juristas libertários?
 
Ora, não por acaso, o estado que mais prende — São Paulo — viu despencar os índices de violência (a despeito das ocorrências dos últimos dias; ocupo-me da trajetória histórica): o índice de homicídios caiu quase 70% em 10 anos; o de assassinato de jovens, mais de 80%. Em alguns estados do Brasil, especialmente no Nordeste, a violência explodiu.
 
Mas alguns dos nossos juristas, especialmente aqueles que elaboraram a proposta do Código Penal, têm uma ideia na cabeça: prender menos e soltar presos. Querem meter na cadeia alguém acusado de bullying ou de maltratar um cachorro, mas deixar do lado de fora quem rouba.
 
Os senhores senadores analisarão as propostas dos juristas. Também lhes caberá pensar a questão das drogas (ver post nesta página). A depender das escolhas, deixarão a sociedade mais à mercê de bandidos do que está hoje. O que faço acima é pôr fim a uma farsa, a um achismo cretino. Basta disposição para pesquisas, ter uma calculadora e não estar com os olhos tapados.
 
Bem, sempre se pode tentar provar que essas contas estão erradas, não é? E sempre há aqueles de bom coração que dirão: “Lá vem esse cara com matemática! O que importa é ter coração!”
 

3 comentários:

Fernando M. Zaupa disse...

Caro César,
sinceramente, está sendo uma vergonha a forma sofística com que pregam a diminuição de prisões.
Poxa, já nem assassino é preso nesse país!!!
Vem com estória de 'falência'! Caramba, a falência não é da pena mas do cumprimento, aliás, falta de cumprimento dela!
Esses 'juristas' tinham que ter vergonha e dizer a verdade, ou seja, que só uma pequeníssima parte da pena é cumprida, o resto é cesta básica e 'assinar no fórum'!
Ou seja, prisão mesmo, com 'inocente' até que se acabem as centenas de recurso, é fato isolado.
Ou será que só eu estou a ter milhares de processos de assaltantes, latrocidas, assassinos, estupradores (até de crianças), em que o 'cidadão' criminoso responde em liberdade até que a pena prescreva ou se torne mínima, SEM PRISÃO (regimes que não existem, como semi-aberto e aberto e conversão em cestas básicas)??
Ótimo texto, pena não passar entre a novela das Empreguetes e da Carminha OI OI OI! Eita Brasil....

Anônimo disse...

Prezado Blogueiro:
1. Reproduzir post do "Tio Rei" você já está apelando, não é não? (rs)
2. Brincadeiras à parte, o texto é inconsistente no trecho em que compara a taxa de homicídios do "resto" do País com as taxas de encarceramento, pois uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra, afinal estão se comparando coisas diversas, pois a taxa de encarceramento é geral, e não uma taxa de encarceramento de homicídas.
3. Além disto, tais números nada tem a ver com a proposta do novo Código Penal, que mantém as penas privativas de liberdade dos crimes violentos, abrandando apenas a de (alguns) praticados sem violência ou grave ameaça.

Unknown disse...

Acredito que esses "juristas" pretendem com a reforma do Código Penal apenas assegurar a única função do Direito Penal que ainda subsiste: "A simbólica". Pois se não é executado a sentença do juiz, é melhor nem ter mais a sentença!
É realmente uma vergonha, o Forum tornou-se um centro de arrecadação de cestas básicas e colhimento de assinaturas e o pior disso é que se o réu não paga as cestas básicas ou não assina no prazo, normalmente, espera-se a prescrição do crime para não ter que prende-lo.
Gostei muito do seu texto, acrescentou muito na minha formação.
Alex - acadêmico do CEST

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)