A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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23 de novembro de 2012

PEC 37: O anel de Giges


Em A República, Platão[1] conta a lenda de Giges, um homem correto, cumpridor de seus deveres e respeitador da realeza. Bastou encontrar um anel, que lhe tornasse invisível, para mudar sua conduta. A partir daí, deu início a um sucedâneo de malfeitos: seduziu, roubou e matou.

O Projeto de Emenda Constitucional n.º 37, de autoria de um deputado federal, que é delegado de polícia, dá exclusividade à Polícia Civil de investigar crimes no país. Isso significa dizer que outras instituições, dentre elas o Ministério Público, não poderão exercer essa atribuição.

Basta ser minimamente racional para perceber a nocividade social desse projeto. Um verdadeiro “Anel de Giges” nas mãos e cabeças de assassinos, corruptos, torturadores, quadrilheiros, traficantes e demais criminosos.

Ante a escalada da criminalidade no país, é natural e lógico que ocorra a ampliação do rol de órgãos com legitimidade para investigar práticas de infrações penais e não sua restrição, muito menos a redução dessa importante missão nas mãos de uma só instituição. A propósito, vale exaltar o princípio da universalização da investigação criminal, pregada por Valter Foleto Santin[2]:

“A polícia não é o único ente estatal autorizado a proceder à investigação criminal; não há exclusividade. O princípio é da Universalização da Investigação, em consonância com a democracia participativa, a maior transparência dos atos administrativos, a ampliação dos órgãos habilitados a investigar e a facilitação e ampliação do acesso ao Judiciário, princípios decorrentes do sistema constitucional vigente.”

Quem perde com essa medida parlamentar teratológica, sem dúvida, é a sociedade e o próprio Estado, pois, a impunidade (cifra negra) só tende a aumentar, em prejuízo do tecido social, já esgarçado e rasgado pelo alto índice de crimes, e do Poder Público, que vem assistindo sua autoridade sendo solapada diuturnamente pelas organizações criminosas no país afora.

É um claro atentado ao Ministério Público e, o mais grave, à própria sociedade. Vale dizer, as funções e garantias do Ministério Público têm por objetivo assegurarem sua independência para que haja uma defesa efetiva e destemida dos direitos afetos ao corpo social. Atacar, por conseguinte, essa instituição significa investir contra a própria sociedade.

Bem por isso, é tempo urgente de mobilização da sociedade civil, por suas entidades e organismos, das instituições públicas, da imprensa etc. com o desiderato de combaterem esse gravíssimo atentado, verdadeiro “Anel de Giges”, contra o Estado Democrático de Direito.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso e Editor do blog www.promotordejustiça.blogspot.com.   
 

[1] PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000, p. 43s.
[2] SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. São Paulo: Edipro, 2001.

3 comentários:

Alexandre Oliveira disse...

Pelo visto a Polícia quer exclusividade em algo que não faz.

Sayuri Matsuo disse...

Ótimo artigos. Acredito que grande parte disso venha também da população, que sempre que gosta de deixar alguém para tás faz isso e quando alguém entra na política eles desejam que a pessoa seja honesta, completamente diferente da conduta em que levam. A parte boa é saber que não podemos generalizar, sempre existirão as pessoas, políticos, advogados, policiais e todas as outras profissões que possuem caráter e mesmo que tivessem um Anel de Giges continuariam agindo conforme sua ética.

Vellker disse...

Depois da notícia recente que estará nos jornais de hoje sobre a investida da Polícia Federal no escritório da Presidência da República de São Paulo e também nos escritórios da Advocacia Geral da União em Brasília, largamente infiltradas por uma organização criminosa e que com a proteção dessa infiltração que não foi descoberta por quem poderia investigá-la a qualquer momento, seus membros causaram prejuízos incalculáveis à nação e ao povo brasileiro e assim a PEC 37 deveria ser a menor preocupação dos membros do Ministério Público.

Apesar de não contar mais em seus quadros com ideólogos como Castello Branco ou Golbery do Couto e Silva, as Forças Armadas ainda tem um poder decisivo no caso de uma intervenção institucional nos moldes da que Getúlio Vargas executou em 1937, quando implantou o Estado Novo e que seria muito bem vinda.

O Brasil caminha para dois desfechos: uma guerra civil, de onde não sairá inteiro como a nação que temos hoje ou uma intervenção militar no sistema institucional, totalmente corrupto e dirigido por criminosos de todos os tipos, que sob o disfarce de "uma nova visão social" deram os primeiros passos para a tomada do poder desde 1989 com a eleição de Collor para presidente.

A partir de sua posse e dos demais presidentes do ciclo civil que vieram desde então, todos os criminosos com proteção política começaram a se encastelar no governo federal.

A sucessão de notícias desse tipo, a destruição a que a nação brasileira foi submetida nos últimos 27 anos vai resultar nessa movimentação dos militares, que suportaram calados todos os crimes cometidos pelos membros dos três poderes nesse tempo, única forma de legitimar uma movimentaçào de sua corporação no sentido de destituir completamente os criminosos que hoje ocupam o poder, desde a esfera municipal até a federal em seu mais alto nível.

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