A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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5 de fevereiro de 2016

GANHAR O JÚRI/PERDER O JÚRI/ACORDO NO JÚRI


Para o promotor há júris que se ganha perdendo. A verdade é inegociável. É preferível não fazer acordo por pena menor, de resto, absolutamente proibido pela lei, a temer-se ou concretizar-se uma absolvição. O acordo ilegal é acordo criminal, ou seja, um crime. Não poderia aquele que combate o delito, no mesmo ato fazê-lo, equiparar-se ao criminoso, ele próprio cometendo um possível delito. Acordos na justiça criminal só existem nas hipóteses previstas em lei para casos de menor potencial ofensivo, ou, por outro lado, nas chamadas “delações premiadas”. Do contrário é filme americano, com outras regras e outra realidade, em país que contempla prisão perpétua e a pena de morte e onde a justiça é de base commun law e não do civil law com a nossa. Absolutamente diversas, portanto. No Brasil, acordo no júri é ilegal, tanto que feito, quando feito, às escondidas, nunca constando em ata e revelado, somente em sussurros.

Mas, perder-se o júri? A vitória ou derrota no júri não serão jamais do promotor, não lhe pertencem, não são pessoais, mas da sociedade. Age em nome da sociedade e perde ou ganha por ela e para ela própria, e em seu nome exerce seu ofício, jamais como atividade privada. A postura, o exemplo de defesa intransigente do primado da lei e do direito, valem tanto ou mais que o próprio resultado em si do julgamento. A atuação do promotor não é absolutamente coligada com o resultado, como relação de causalidade, causa e efeito.

É bem verdade que uma boa acusação costuma levar um análogo resultado, mas não existirá jamais um compromisso causal entre ambos, pois a atividade do Ministério Público é dele e a ele pertence, com a do corpo de jurados lhe é inerente. O resultado do júri é importante, sem dúvida, mas da atuação do promotor ou do procuradoria república – “obrigação de meio”, diriam os civilistas – exsurge um grande e lapidar proveito em favor da sociedade, pela teoria da comunicação social. Ou seja, cada ato que comunicamos a terceiro se difunde e tão mais se difundirá quanto melhor ou pior seja, e quanto mais pública seja a função do comunicador. Portanto, o “advogado da sociedade” não é homem ou mulher adstrito a resultados meramente, mas a ações, a exemplos. Aliás, não é difícil à sociedade entender que o resultado e para ele concorrerem até fatos extraordinários – um erro, por exemplo, na hora de depositar-se o voto na urna! – ou explicações metafísicas, aquelas racionalmente inexplicáveis, mas que levam o jurado a deliberar de um ou outro modo.

Aliás, bem ao contrário, é até intuitiva tal compreensão. Portanto, bem trabalhar é obrigação do promotor e é a única que lhe incumbe. Acordar, combinar tese comum com o advogado, é grave violação de dever funcional. E julgar, bem julgar, é atribuição única e exclusiva do jurado. Como prever a hipótese de “acordo criminal” é tarefa do legislador, se entender correto alterará a lei, mas não é dado ao promotor fazê-lo sob nenhum argumento. Por isso, toda “vitória” não poderá ser pessoal, porque social, como nenhuma derrota também o será. Péssimo exemplo aquele promotor retratado no passado que quando “ganhava o júri” corria para o abraço da família e dos amigos, recebendo personalisticamente todos os cumprimentos, quando perdia, a culpa era dos jurados. Respeito e condescendência na “vitória” para com o vencido, dignidade e altivez na “derrota”, quando perdido.

O promotor é instrumento para a paz social, não é e não pode ser marcador de placar esportivo, como se o sublime embate do júri não fosse para o fazimento da justiça, mas simples jogo, mera partida, convescote ou “pelada de campo”, patrocinado o “time 1” pelo Estado. Quando se privatizar a função – e não se privatizará! -, porque seria a negação do “Ministério Público”, daí sim, os ganhos e perdas seriam pessoais, como na iniciativa privada, e na beca se poderia levar até a marca de algum patrocinador, como marca de refrigerante, automóvel ou mais apropriadamente nome comercial de alguma casa funerária. Assim, a história não termina com o resultado do júri, é da postura e ética dos debatedores. Há de se ter modos, altivez, honradez, ali estão presentes os maiores valores a que pode aspirar a humanidade: vida, preservação dela, liberdade, respeito a ela.


(BONFIM, Edilson Mougenot. No tribunal do júri. Crimes emblemáticos, grandes julgamento. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 622-624) 

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