A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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25 de outubro de 2012

Crime de constituição de milícia

 
Constituição de milícia privada (art. 288-A do CP)
 
Tipo legal
 
O crime de constituição de milícia privada está tipificado no art. 288-A: “Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.”
 
Tal crime foi introduzido pela Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012, e pelo seu conteúdo amplo, tratou-se em algumas condutas de uma verdadeira novatio legis incriminadora, sendo mais abrangente que o crime de bando ou quadrilha (art. 288, do CP). Ratifica uma tendência de só criminalizar a conduta (não mais surgindo a contravenção penal) e de direcionar para crime de reclusão (crime mais grave). Porém sempre inserindo norma que evita o cárcere: pena mínima de quatro anos que permite o regime aberto e a substituição por duas penas restritivas de direito ou uma pena restritiva de direito e multa.
 
Embora a ementa da Lei nº 12.720/2012 mencione sobre o “crime de extermínio de seres humanos”, a lei na verdade, procurou apenar com maior rigor o homicídio doloso e a lesão dolosa praticada por grupo de extermínio ou milícia privada ou ainda criar um tipo de associação criminosa formada por organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão. Não há por exemplo qualquer alteração sobre o crime de genocídio previsto na Lei nº 2.889/1956. Daí que existe impropriedade na ementa ao mencionar crime de extermínio.
 
Objetividade jurídica
 
A paz pública. O crime é formal e de perigo abstrato. Não exige a lei que se evidencie o perigo, de forma a presumi-lo.
 
Sujeitos do delito
 
Sujeito ativo: qualquer pessoa. Trata-se de crime plurissubjetivo. Questão que se põe é a quantidade de pessoas dessa organização criminosa, pode-se utilizar por analogia, a quantidade prevista no art. 35 da Lei de Drogas: duas pessoas. Entendendo que seriam quatro pela utilização do art. 288: Marcelo Rodrigues da Silva, Extermínio de seres humanos: Lei nº 12.720/2012. Também Rogério Sanches, Comentários à Lei nº 12.270, de 27 de setembro de 2012. Sujeito passivo: a coletividade (sociedade colocada em risco), tratando-se de crime vago.
 
Tipo objetivo
 
O tipo penal é alternativo: existem várias condutas, mas praticando mais de uma, responde por um só crime. A lei fala primeiro em “constituir” que significa fundar, auxiliar na criação. Em segundo lugar, menciona o tipo o verbo “organizar” que significa estruturar, dar viabilidade. Não se confundem os dois termos. É possível não participar da fundação da organização, mas atuar na organização posterior da mesma.
 
O tipo penal também fala em “integrar” a organização que consiste simplesmente em fazer parte da organização. Finalmente o tipo fala em “manter” ou “custear” a organização. O verbo “manter” significa conservar ao passo que “custear” significa manter financeiramente a organização. Pode ser que um agente sozinho faça esse custeio, sem que por exemplo, participe de qualquer reunião ou existe a possibilidade dos agentes dividirem as despesas.
 
Tipo de organização. Os verbos acima retratados incidem sobre as seguintes organizações:
 
1) Organização paramilitar. Paramilitar é aquela que “caminha ao lado” da militar, em situação ilegal. Possui a estrutura da organização militar, sem ser militar. Assemelha-se à estrututura militar, podendo haver hierarquia, armamento, planejamento de ataque etc.
 
2) Milícia particular. Milícia significa batalhão, polícia. A milícia particular se refere a um grupo menor de agentes criminosos que se reúnem inicialmente para fornecer “segurança” (vulgarmente conhecido como “bico”) e depois passa a extorquir uma determinada população. Em alguns casos pode por exemplo, ser formada por policiais militares, como no caso do Estado do Rio de Janeiro. Existe uma semelhança grande entre as expressões organização paramilitar e milícia particular.
 
3) Grupo. É o conceito mais genérico do art. 288-A, referindo apenas à união ou conjunto de pessoas.
 
O art. 121, § 6º fornece o exemplo, falando em grupo de extermínio, ou seja, aquele destinado a ceifar a vida das pessoas.
 
4) Esquadrão. No conceito militar refere-se a uma unidade da cavalaria, do exército blindado etc. O termo se vincula a uma reunião de pessoas quantitativamente maior que o grupo. O esquadrão pode ser exemplificado na organização criminosa formada no interior dos estabelecimentos penitenciários ou em São Paulo, com o chamado “esquadrão da morte”.
 
Diferença com o concurso de agentes
 
No concurso, a associação é momentânea. Na constituição de milícia privada, a associação é estável e permanente para a prática dos crimes.
 
Estabilidade ou permanência: não basta a simples associação momentânea, exige-se a estabilidade ou permanência (exemplo de prova: certidões com crimes de roubo, nas quais se encontram as mesmas pessoas). A palavra estabilidade quer dizer a mesma coisa que permanência: constância, solidez. Trata-se do caráter duradouro e permanente (STJ, APn 514-PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/6/2010). No sentido de exigir essa estabilidade e permanência: Rogério Sanches Cunha, Comentários a Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012.
 
Tipo subjetivo
 
O dolo, consistente na vontade do agente criminoso em constituir, organizar, integrar, manter ou custear a organização criminosa. A motivação é irrelevante. Elemento (adicional) subjetivo: “para o fim de praticar qualquer dos crimes previstos” no Código. Devem estar os crimes inseridos no Código Penal, excluindo os delitos previstos na legislação penal especial. É possível que na legislação penal especial, além do crime específico, o agente se associe com três ou mais pessoas, respondeo também pelo delito do art. 288 do Código Penal.
 
Os crimes objetivados podem ser da mesma espécie ou não. O tipo fala em “crimes”, portanto, se a quadrilha objetivar cometer uma contravenção ou ilícito administrativo, o fato é atípico (Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte especial, v. 4, p. 283). Também é atípica a conduta de objetivar praticar crimes culposos ou preterdolosos.
 
Consumação
 
Tratando-se de crime formal, consuma-se com a simples prática dos verbos (“convergência de vontades”), não sendo necessário que se efetivem os crimes. Assim, consuma-se o delito aquele que almejava uma agência e uma lotérica e antes do assalto, o bando é flagrado com ferramentas (STJ, 6ª Turma).
 
A efetiva associação deve ser demonstrada por elementos sensíveis, demonstrando a convergência de vontades. Pode haver também consumação naquele que ingressa em organização já formada.
 
No delito de “constituir”, o agente só responde portanto depois de algum tempo juridicamente relevante. Se participou da constituição, mas a organização não se prolongou minimamente, o fato é atípico eis que a tentativa não é punida. Responde nesse caso, se participou da constituição, a organização se manteve, mas depois o agente deixa tal organização. Isso porque o abandono posterior da organização não configura desistência voluntária, porquanto o crime já estava consumado.
 
Existe assim, uma necessidade de dupla tipicidade. Basta a prática de um dos verbos, mas exige-se uma mínima consolidação da organização criminosa. Assim, como acima se mencionou permanece a exigência do art. 288 sobre a estabilidade e permanência. Todavia, no caso do verbo “manter”, exige-se uma conduta que efetivamente auxilie a organização. Se ajudou uma única vez, não estaria “mantendo”, exigindo-se uma reiteração de condutas. Anota-se contudo, que o agente criminoso pode acabar se amoldando em outro verbo.
 
A tentativa não existe, vez que a lei tornou o ato preparatório (não punível normalmente) em crime. Dessa forma, ou houve efetiva constituição por exemplo da milícia privada, ou não se pune o delito.
 
É crime permanente, permitindo a prisão em flagrante.
 
Por Valter Kenji Hishida, Promotor de Justiça em São Paulo, Doutor e Mestre em Direito pela PUCSP.

Um comentário:

Vellker disse...

Esse é o problema das autoridades brasileiras. Fazem minuciosas tipificações da atividade criminosa, descrições detalhadíssimas do delito, elaboradas descrições da ilegalidade, profusas previsões de indiciamento, prisões e penas num imaginário mundo jurídico.

Mas na vida real, corruptos continuam até mesmo anunciando nos jornais que roubam mesmo.

No dia a dia das comunidas do Rio de Janeiro, as milícias mandam, matam, coagem políticos e magistrados e fazem o que bem entendem.

No Rio Grande do Sul, milicianos recém chegados naquela região já assaltam bairros inteiros de uma só vez.

No estado de São Paulo a polícia está de joelhos frente ao ataque diário bem coordenado de facções criminosas que já mataram quase uma centena de policiais, enquanto que um governador trêmulo e um secretário de segurança quase gaguejante tentam desmentir tudo.

E no fundo do palco ficam esses cantores de canções líricas judiciais encenando uma peça, onde ao menos na fantasia de volumes e mais volumes de leis, levam bandidos teóricos para a cadeia da imaginação.

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